por Rosana Jatobá
Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa- repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Refiro-me às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar.
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que, de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
"O teu cabelo não nega, Mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constrangimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos" , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas.
Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem".
Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável.
O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque, em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorância e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcoólatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:- Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:- Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo , no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos...
Rosana Jatobá
Rosana Jatobá é jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo. Também apresenta a Previsão do Tempo no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Esse texto é parte da série de crônicas sobre Sustentabilidade publicada na CBN
Parabéns a Rosana Jatobá! Texto lindíssimo.
13 comentários:
Ei anjinha Lú!!!!Gostei mesmo amiga, ficou ótimo, faça mais mesmo....Fiz um post sobre os looks das blogueiras, ficou ótimo, você bem que poderia participar heim????Ficaria ótimo, vá lá no meu blog e me diga o que achou tá bom????To te esperando, mande seus looks amiga, bjks, Bela.
www.anjinhasdegloss.blogspot.com
oiii Lu tudo bom!? Adorei achar seu blog!!1 e Amey esse texto, como filha de baiana e amazonense e nascida em Brasília sei muuuuuito bem como é isso! Lindo texto! hihihi Aproveito pra te convidar pra dar uma passadinha no meu blog, tem postzinho novo lá! e um sorteio tb! Me visita?! oO" ;)
http://mirzabraga.blogspot.com
@mirzabraga
Beijiiiiinhos da Mih!!!
toh te seguindo
Menina, adorei esse texto.
Ela está coberta de razão.
Somos todos preconceituosos sim. Querendo ou não uma hora isso aflora e não é de agora.
Bjs
=]
Bonito texto mesmo! :)
www.batomnosdentes.blogspot.com
Beijocas, Maria Luiza
Muito legal! Pena que no nosso país continental ainda existam tantas implicancias com as diferenças. Somos todos brasileiros!
Bjos
Nossa como o preconceito existe em todo o lugar!! adoreii a atitude dela..
Muito legal esse texto!!
bjo
Suh
Ameei o Texto! Muito Bom ^^ Eee, querida... Que Make Maravilhosa é essa ai em baixo?! *-* Muito Linda! ameeei e vou copiar ^^ hehe... Ficou Lindíssima!
Beijão, Tudo de bom! ^^
http://fashion-vitrine.blogspot.com/
Ainda hj o preconceito se faz presente no nosso cotidiano, tenho um irmão q sofre com isso constantemente,e nem é pela cor e sim por sua condiçao financeira...triste fim de quem pensa pequeno.Amei o post!!
bj
Muito bom seu texto! Sou super-contra preconceito, de QUALQUER tipo (sexual, classe social...)!
Adorei seu blog!
Estou avisando todas minhas seguidoras!!! As inscrições do primeiro SORTEIO do blog estão abertas!!!
CORRE LÁ!!!
Beijos
www.lookmymakeup.blogspot.com
Adorei o texto, realmente Rosana é uma jornalista incrível com um caráter e expressões fortees, amei a seleção de texto! beijos
byemilyferreira.blogspot.com
Nossa, quanto talento ela tem né?
Além de linda, saber escrever coisas assim que nos tocam tanto.
Adorei.
Beijo, sua linda!
http://jeansandjacket.blogspot.com
Certíssima!!!
Luuu! Passando aqui pra deixar um beijinho. ^^
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